O DIABO NA TRADIÇÃO OCIDENTAL : FEIO OU BELO ?
A tradição cristã fizera de Satanás um ser muito feio, esquecendo-se que se ele tinha sido um anjo, devia ser belíssimo.
O Lúcifer de Dante (sec. XIV) é horrendo.
O Plutão da Jerusalém Libertada, de Tasso, é ainda muito feio, mas assinala-se-lhe uma «hórrida majestade».
Só por volta do sec. XVII é que Satanás começa a sofrer uma transformação.
Shakespeare, no Hamlet, tinha recordado que o Diabo pode também apresentar-se em formas belas. Mas no Dr. Faustus, de Marlowe (1604), Mefistófeles ainda era feio.
E já no século XVII, Marino, em A matança dos inocentes (1632), apresenta Satanás como um ser sobre quem pesa uma tristeza profunda – e que portanto inspira a nossa piedade.
O texto que marca definitivamente o resgate de Satanás é o Paraíso Perdido (1667?) de Milton.
Teria Milton sido inspirado por razões políticas (ele participara na revolução puritana e pode ter simbolizado em Satanás a rebelião contra o poder)?
A verdade é que o seu Satanás predominam os traços de uma beleza decaída e de uma altivez indómita, vendo-se nele um modelo de pura energia em revolta.
É um sentido de honra que leva Satanás a não se arrepender; não aceita submeter-se a quem o venceu e recusa pedir perdão, por ser melhor reinar no inferno do que servir nos céus («Eu deificar o poder que ainda ontem por terror deste braço meu era incerto do Seu império? Não!
Demasiado baixo seria e a ignomínia é vergonha pior do que a queda!» John Milton, O Paraíso Perdido (1674?).
No Fausto, de Goethe, insinua-se na pele de um cão negro que depois toma a forma de hipopótamo com olhos em brasa e presas horrendas, mas por fim manifesta-se vestido como um clérigo itinerante, como um intelectual honesto.
Comments