UNAMUNO E AS HUMANIDADES
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UNAMUNO E AS HUMANIDADES

UNAMUNO E AS HUMANIDADES


Os restantes saberes e técnicas comprazem-se amiudadas vezes com esta pergunta, dirigida ao saber humanístico: "mas para que servem essas coisas" ? Ora, a tão abrutalhada questão, os cultores do saber humanístico terão de convir que as matérias que cultivam não terão um préstimo tão manifesto quanto o de um pente ou o de uma abóbora.

Mas logo replicarão que o pente e a abóbora foram criados pelo homem para cumprirem as suas funcionalidades fora do homem. E que a Literatura, a História, a Filosofia, as Artes ou a Música, até mesmo a Geografia, foram inventadas pelos mesmos homens para produzirem os seus efeitos dentro deles.


Há um texto formosíssimo de Miguel de Unamuno, intitulado "Adentro !" que nos explica tudo isto em palavras quase divinas. Citarei então, correndo a tradução por minha conta:

“Dizes-me na tua carta que se até agora foi tua divisa adiante, doravante será acima! Deixa isso do adiante e do atrás, do acima e do abaixo para progressistas e retrógrados, para ascendentes e descendentes, que só se movem no espaço exterior, e busca o outro, o teu âmbito interior, o ideal, o que é da tua alma. Forceja por meter nela o Universo inteiro, que é a melhor maneira de derramares-te nele. Considera que não há dentro de Deus mais do que tu e o mundo e que se formas parte deste, porque te mantém, forma também ele parte de ti, porque em ti o conheces. Em vez de dizeres pois adiante! ou acima! diz para dentro! (adentro!). Reconcentra-te para irradiar, deixa encher-te para que logo te escoes, conservando o manancial. Recolhe-te em ti mesmo para melhor te dares aos demais todo inteiro e indiviso. Dou quanto tenho – diz o generoso; dou quanto valho – diz o abnegado; dou quanto sou – diz o herói; dou-me a mim mesmo – diz o santo; e diz tu com ele, ao dar-te: dou comigo o Universo inteiro. Para isso, tens que fazer-te Universo, buscando-o dentro de ti. Bem dentro (adentro!)”.



O actual universo da tecnocracia compraz-se em derrancar-nos com a temerosa acusação de que as Humanidades ensinam "cursos de papel e lápis". Pondo de fora os computadores que vamos tendo, isto não deixa de ser verdade. Mas é com papel e lápis – agora também com o teclado de um modesto computador, obrigatoriamente dotado do programa Word – que nós partimos para a aventura de vislumbrar, primeiro, a interioridade do ser humano, tentando-a aperfeiçoar, depois. Não necessitamos, portanto, de complexas e dispendiosas engenhocas para o cumprimento da nossa função. E esta, que para muitos constitui a nossa debilidade, é para nós a maior das fortalezas.


Podem as economias ruir com fragor, os impérios esfacelarem-se sem remédio, as engenharias técnicas cederem nos seus alicerces e as convenções do bem-estar sofrer colapsos graves que sempre se descobrirá um qualquer terreiro onde se possam reunir mestres e discípulos, Humanistas, munidos de lápis e papéis, com o móbil de praticar o "adentro ! " de que falava Unamuno.


@ Autor: A. H.

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