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A Transgressão como Virtude Iniciática na Maçonaria

Transgredir é ultrapassar os limites do medo — não para romper, mas para compreender o que há além das formas.


A palavra “transgressão” é frequentemente recebida com desconfiança. Sugere infração, rebeldia ou afronta à ordem estabelecida. Porém, quando observada à luz da Maçonaria, adquire um sentido mais profundo e menos ruidoso: o de ultrapassar limites que já não servem o crescimento humano.


A iniciação maçónica é, em si mesma, uma forma de transgressão. Ao entrar no Templo, o profano abandona o espaço comum e aceita ser conduzido a uma viagem simbólica, onde a obscuridade inicial cede à procura da luz. Este gesto — atravessar um limiar — não é uma revolta contra a sociedade, mas uma promessa de superação pessoal e espiritual.


Natureza e cultura: fronteiras distintas


A natureza não conhece transgressões. Vive segundo leis imutáveis: a gravidade, os ciclos do tempo, a vida que nasce e perece.


O maçon, ao contemplar o compasso, o esquadro ou o fio de prumo, reconhece nessa ordem cósmica uma harmonia que não é para violar, mas para imitar. É no domínio humano, cultural e social, que a transgressão adquire sentido.


A cultura ergue interditos: leis, tradições, convenções morais. A transgressão, nesse contexto, não destrói — completa. Como observou Georges Bataille, “a transgressão não nega o interdito, antes o ultrapassa”.


Assim foi nas Luzes do século XVIII, quando maçons como Voltaire ousaram desafiar o peso da Igreja e do absolutismo, abrindo caminho a novos ideais de liberdade e de laicidade.


Exemplos de transgressão criadora


Ao longo da história, a Maçonaria acolheu irmãos que, pela sua ação, encarnaram a transgressão como virtude.


  • Giuseppe Garibaldi, no século XIX, transgrediu as normas de um mundo fragmentado ao lutar pela unificação italiana, conduzido por um ideal de fraternidade universal.

  • Maria Deraismes, iniciada em 1882, transgrediu a exclusividade masculina da Maçonaria e abriu as portas ao nascimento do Droit Humain, sinal de que a fraternidade não poderia excluir as mulheres.

  • Condorcet, maçon e filósofo, ousou levantar-se contra o comércio de escravos no século XVIII, quando o peso económico parecia justificar o silêncio.


Nenhuma destas figuras destruiu por destruir. Pelo contrário, cada uma superou barreiras do seu tempo, acrescentando uma pedra nova ao edifício da humanidade.


O risco do conformismo


Toda a Ordem vive da tensão entre regra e liberdade. Os rituais, os sinais e os compromissos existem para dar forma a uma linguagem comum. Mas, se aplicados com rigidez cega, correm o risco de aprisionar o espírito. É nesse ponto que a transgressão criadora se torna necessária: questionar, reinterpretar, abrir novas sendas, sem trair a essência da tradição.


Transgressão iniciática: ultrapassar-se a si mesmo


A verdadeira transgressão maçónica não é contra o mundo exterior, mas contra a inércia interior. O Aprendiz que ousa interrogar-se, o Companheiro que enfrenta as suas próprias limitações, o Mestre que medita sobre o mito de Hiram e nele encontra novas camadas de sentido — todos eles transgridem. Não a lei da Ordem, mas a barreira íntima da ignorância, da passividade e do medo.


Hiram, ao preferir morrer a revelar os segredos confiados, representa não a obediência cega, mas a fidelidade àquilo que está para além das convenções humanas. A sua morte é o testemunho de que há verdades que não podem ser negociadas. A transgressão, aqui, é a coragem de permanecer fiel ao invisível, mesmo sob ameaça.


Uma virtude para o presente


Num mundo onde as tecnologias, os algoritmos e a pressão da uniformização nos empurram para a superficialidade, a Maçonaria só permanecerá fiel à sua missão se ousar transgredir a rotina e a mediocridade. Transgredir não significa romper com o passado, mas superar o que se tornou estéril. Significa devolver vida ao símbolo, luz ao Templo e sentido à palavra “fraternidade”.


A transgressão, longe de ser um pecado, é uma virtude iniciática. É ela que nos recorda que nenhuma pedra é bruta para sempre e que o trabalho do maçon é, sobretudo, o de ultrapassar-se a si próprio para servir melhor a humanidade.


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Interior simbólico: representação da transgressão como ultrapassagem de limites na Maçonaria, associada à busca de luz e de fraternidade universal.

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