A Transgressão como Virtude Iniciática na Maçonaria
- Redação My Fraternity

- 4 de out.
- 3 min de leitura
Transgredir é ultrapassar os limites do medo — não para romper, mas para compreender o que há além das formas.
A palavra “transgressão” é frequentemente recebida com desconfiança. Sugere infração, rebeldia ou afronta à ordem estabelecida. Porém, quando observada à luz da Maçonaria, adquire um sentido mais profundo e menos ruidoso: o de ultrapassar limites que já não servem o crescimento humano.
A iniciação maçónica é, em si mesma, uma forma de transgressão. Ao entrar no Templo, o profano abandona o espaço comum e aceita ser conduzido a uma viagem simbólica, onde a obscuridade inicial cede à procura da luz. Este gesto — atravessar um limiar — não é uma revolta contra a sociedade, mas uma promessa de superação pessoal e espiritual.
Natureza e cultura: fronteiras distintas
A natureza não conhece transgressões. Vive segundo leis imutáveis: a gravidade, os ciclos do tempo, a vida que nasce e perece.
O maçon, ao contemplar o compasso, o esquadro ou o fio de prumo, reconhece nessa ordem cósmica uma harmonia que não é para violar, mas para imitar. É no domínio humano, cultural e social, que a transgressão adquire sentido.
A cultura ergue interditos: leis, tradições, convenções morais. A transgressão, nesse contexto, não destrói — completa. Como observou Georges Bataille, “a transgressão não nega o interdito, antes o ultrapassa”.
Assim foi nas Luzes do século XVIII, quando maçons como Voltaire ousaram desafiar o peso da Igreja e do absolutismo, abrindo caminho a novos ideais de liberdade e de laicidade.
Exemplos de transgressão criadora
Ao longo da história, a Maçonaria acolheu irmãos que, pela sua ação, encarnaram a transgressão como virtude.
Giuseppe Garibaldi, no século XIX, transgrediu as normas de um mundo fragmentado ao lutar pela unificação italiana, conduzido por um ideal de fraternidade universal.
Maria Deraismes, iniciada em 1882, transgrediu a exclusividade masculina da Maçonaria e abriu as portas ao nascimento do Droit Humain, sinal de que a fraternidade não poderia excluir as mulheres.
Condorcet, maçon e filósofo, ousou levantar-se contra o comércio de escravos no século XVIII, quando o peso económico parecia justificar o silêncio.
Nenhuma destas figuras destruiu por destruir. Pelo contrário, cada uma superou barreiras do seu tempo, acrescentando uma pedra nova ao edifício da humanidade.
O risco do conformismo
Toda a Ordem vive da tensão entre regra e liberdade. Os rituais, os sinais e os compromissos existem para dar forma a uma linguagem comum. Mas, se aplicados com rigidez cega, correm o risco de aprisionar o espírito. É nesse ponto que a transgressão criadora se torna necessária: questionar, reinterpretar, abrir novas sendas, sem trair a essência da tradição.
Transgressão iniciática: ultrapassar-se a si mesmo
A verdadeira transgressão maçónica não é contra o mundo exterior, mas contra a inércia interior. O Aprendiz que ousa interrogar-se, o Companheiro que enfrenta as suas próprias limitações, o Mestre que medita sobre o mito de Hiram e nele encontra novas camadas de sentido — todos eles transgridem. Não a lei da Ordem, mas a barreira íntima da ignorância, da passividade e do medo.
Hiram, ao preferir morrer a revelar os segredos confiados, representa não a obediência cega, mas a fidelidade àquilo que está para além das convenções humanas. A sua morte é o testemunho de que há verdades que não podem ser negociadas. A transgressão, aqui, é a coragem de permanecer fiel ao invisível, mesmo sob ameaça.
Uma virtude para o presente
Num mundo onde as tecnologias, os algoritmos e a pressão da uniformização nos empurram para a superficialidade, a Maçonaria só permanecerá fiel à sua missão se ousar transgredir a rotina e a mediocridade. Transgredir não significa romper com o passado, mas superar o que se tornou estéril. Significa devolver vida ao símbolo, luz ao Templo e sentido à palavra “fraternidade”.
A transgressão, longe de ser um pecado, é uma virtude iniciática. É ela que nos recorda que nenhuma pedra é bruta para sempre e que o trabalho do maçon é, sobretudo, o de ultrapassar-se a si próprio para servir melhor a humanidade.
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