top of page

U.S.     ENGLAND     FRANCE     BRASIL     PORTUGAL     ESPAÑOL

Dan Brown e o arquétipo do Golem: Praga como laboratório da consciência

Atualizado: 27 de out.

Introdução — Entre a ficção e o símbolo.


O novo romance de Dan Brown, O Segredo dos Segredos (The Secret of Secrets, 2025), marca o regresso de Robert Langdon e a estreia do protagonista na cidade de Praga.


A intriga começa quando Langdon viaja para assistir a uma conferência de Katherine Solomon — aqui, apresentada como cientista da noética — e rapidamente se vê envolvido em assassinato, desaparecimentos, códigos e um projeto clandestino que promete “mudar o que pensamos sobre a mente humana”.


O cenário não é arbitrário: Praga, capital de camadas históricas e mitos, acolhe também o mais célebre de todos os golems. Dan Brown Official Website+2Wikipedia+2


A edição francesa (JC Lattès) e os materiais editoriais confirmam a centralidade de Praga, da noética e do manuscrito de Katherine como motores narrativos.


A cobertura de imprensa internacional (AP, Le Monde, PBS) detalha ainda o arco que leva de Praga a Londres e Nova Iorque, sem perder o foco num antagonista “nascido da mitologia praguense”. PBS+4editions-jclattes.fr+4JC Lattès+4


Este ensaio não é uma recensão “entusiasmada”: é uma leitura crítica para separar o que é documento histórico, o que é tradição literária e o que é licença ficcional — condição necessária para uma cultura cívica que saiba distinguir ciência, mito e entretenimento.


Praga hermética — do laboratório do imperador ao turismo do mistério


“Praga é um laboratório”, insiste a tradição europeia desde o século XVI, quando o imperador Rodolfo II reuniu alquimistas, naturalistas e coleções de curiosidades.


Na cidade cruzaram-se lendas judaicas (o Maharal de Praga), interesses alquímicos, astrologia de corte, proto-ciências e imaginários de transmutação espiritual.


Essa aura hermética é hoje um ativo turístico, mas tem bases rastreáveis na erudição judaica e no colecionismo esotérico do período. (Para o leitor que procure itinerários concretos, assinale-se a bibliografia local e até guias contemporâneos que percorrem as localizações do romance.) Prague City Adventures


O romance de Brown adere a esse “palimpsesto”: sinagogas do Bairro Judeu, o cemitério, o Castelo, a Ponte Carlos e bibliotecas antigas funcionam como palcos onde o enredo alterna pistas simbólicas e perseguições.


O efeito é familiar a leitores de O Código Da Vinci e O Símbolo Perdido: recontextualizar lugares reais pela lente do mito. Dan Brown Official Website+1


O mito do Golem — do Talmude ao romance popular


1) O que a tradição judaica realmente diz


O Golem, ser moldado de barro e animado por um Nome Divino, é um tema da literatura rabínica e da mística judaica.


Na forma hoje mais conhecida — o Golem de Praga do rabino Judah Loew (o Maharal) — a lenda é tardia e consolidou-se sobretudo a partir do século XIX, com uma forte camada de recriação literária.


Eruditos como Gershom Scholem recordaram que a fama “praguense” do Golem, tal como hoje a conhecemos, é recente se comparada com a tradição mais ampla do golem na literatura judaica (onde a criatura é, frequentemente, figura auxiliar, sem sexualidade e sem autonomia moral). commentary.org+2AJL Publishing+2


2) Como a versão “de Praga” se fixou


Estudos académicos apontam que a narrativa específica do “Golem de Praga”, ligada ao Maharal, se codificou entre meados do século XIX e inícios do século XX, alimentada por compilações, folhetos, romantizações e pelo crescente interesse europeu por um “Oriente interno” judaico.


A crítica moderna reconstruiu esse percurso, mostrando datas, autores e camadas de reinvenção. Instituto de Matemática UH+2Journals@KU+2


3) O que a ficção pode (e deve) fazer com isso


Brown dramatiza uma versão do Golem que serve ao thriller: símbolo de proteção e vingança, eco de medos políticos, avatar de dilemas tecnológicos (ver abaixo, a “armação” noética de Threshold).


O essencial é reconhecer a fronteira: o Golem de Praga é uma tradição literária, não um facto histórico com documentação coeva; a ideia de dar vida à matéria pela Palavra é um mito teológico com grande potência simbólica, não uma tecnologia perdida. The Forward


Noética, ciência e limites — o que há de real por detrás da intriga


Katherine Solomon, a noética e um projeto secreto que experimenta desdobramentos da consciência (experiências de quase-morte induzidas, “visão à distância”, registos do “olho da mente”): tudo isto integra o léxico ficcional do livro.


O autor repete a estratégia de O Símbolo Perdido — escolher uma fronteira “quente” entre ciência e paraciência para tensionar enredo e debate público.


Historicamente, houve programas militares e académicos que exploraram “percepção extra-sensorial”, visão remota e fenómenos de quase-morte — por exemplo, os arquivos do Project Stargate (EUA) e uma vasta literatura parapsicológica contemporânea.


Do lado da física e da filosofia da mente, há propostas especulativas (por vezes controversas) sobre consciência e quântica (Penrose, Hameroff), e trabalhos empíricos de fronteira (Radin, Sheldrake) que a academia dominante encara com cepticismo variável.


O romance opera nesta tensão: dá-lhe escala conspirativa e dramatiza conflitos éticos e políticos. AP News+1


Leitor atento: distinguir o que existe (programas reais, discussão sobre quase-morte, debates em neurociência/filosofia) de afirmações extraordinárias sem consenso é requisito de literacia científica. Brown ficcionaliza; cabe ao ensaio contextualizar.

“Threshold”: quando a técnica pretende forçar o mistério (e porque isso é tema atual)


A estrutura do romance apresenta Threshold como instalação clandestina, com implantes, experiências de limiar e instrumentalização da experiência de morte. Na tradição do thriller, isso condensa preocupações reais: dualidade corpo/mente, medicalização do morrer, neurotecnologias, ética do consentimento, tentação de militarizar a investigação de estados alterados.


A imprensa generalista explicou o guião: Praga como ponto de ignição, perseguição europeia, deslocação para Londres e Nova Iorque e, sobre tudo, a pergunta “o que pode a consciência?”.


A crítica cultural francesa sublinhou uma viragem ideológica de Brown: do cepticismo “racionalista” para uma abertura a teses parapsicológicas, com risco de confundir verosimilhança literária e validade científica. Esse juízo crítico é, por si, um contributo público valioso: mencionar fontes, exercícios de checagem e limites do argumento. AP News+1


Maçonaria, símbolo e linguagem — ecos da obra anterior


Brown regressa a um terreno que o tornou fenómeno global: o símbolo como método de leitura do mundo.


Em O Símbolo Perdido (2009), a Maçonaria aparecia como tradição iniciática norte-americana entre mito de fundação e imaginário popular; aqui, as referências são mais discretas, mas a “gramática” é a mesma: o símbolo opera como ponte entre materiais heterogéneos (arquitetura, ritos, arte, ciência). O leitor maçónico reconhecerá o tropo: criar, elevar, polir — trabalhar interiormente.


O romance em Praga faz ressoar essa oficina com imagens do Golem (matéria animada) e a tríade alquímica (nigredo, albedo, rubedo).


A maquinaria é literária; o conteúdo operativo pertence à vida real das Lojas e das tradições, não ao folhetim. Dan Brown Official Website


Nigredo, Albedo, Rubedo — a tripla metáfora alquímica como estrutura narrativa


O arco do livro sugere uma progressão “em três graus”: nigredo (caos, colapso, crime inicial, morte), albedo (discernimento, purificação, pistas apuradas), rubedo (síntese, revelação). Não é que Brown proponha alquimia “de laboratório”: ele usa a alquimia como narratologia simbólica — um modo de guiar o leitor por fases de desorganização e recomposição do sentido.


Esta leitura é heurística, não “prova”: serve para compreender como o romance trabalha com expectativas antigas (o athanor de Praga) e ansiedades modernas (neurociência, IA, sobrevida). As referências culturais que alimentam essa metáfora (do Codex Gigas ao mito do Golem) aparecem no livro e na crítica. Le Monde.fr+1


O Golem como “máquina simbólica” — pessoa, programa ou espelho?


Erudição judaica descreve o Golem como agente sem linguagem e sem eros; literatura posterior devolve-lhe agência e moralidade ambígua.


No século XX–XXI, o Golem converte-se em artefacto crítico: antecipa perguntas sobre IA, automação, robótica e responsabilidade.


O romance de Brown amplifica essa transição: a criatura sai da lenda e passa a metáfora de tecnologias que excedem os seus criadores — logo, de obrigações éticas.


A pergunta — “podemos?” — cede lugar à outra — “devemos?”. É aqui que o imaginário maçónico pode dialogar publicamente: liberdade, consciência e limite. AJL Publishing


A cidade como texto — itinerários reais e verosimilhança ficcional


A bibliografia e o jornalismo turístico local mostram como leitores começaram a percorrer “o mapa” do livro: Ponte Carlos, sinagogas, o cemitério judeu, o complexo do Castelo, bibliotecas e gabinetes de curiosidades.


A verosimilhança geográfica é parte da “marca” Dan Brown: o mundo real como tabuleiro, onde se injeta ficção para produzir sensação de descoberta. Mas a regra permanece: ver in situ não substitui estudar quem escreveu e quando se inventou o que hoje é repetido como tradição. Prague City Adventures


O que é verificável e o que é invenção — síntese para o leitor


  • É real: Praga de Rodolfo II, as tradições judaicas sobre “golem” em fontes diversas, a consolidação oitocentista da lenda praguense; o uso literário moderno do tema; debates periféricos sobre “consciência” e experiências extraordinárias; projetos históricos que estudaram “visão remota”. AP News+3JSTOR+3Instituto de Matemática UH+3


  • É ficção (no sentido estrito): os detalhes operacionais de Threshold, a eficácia tecnológica descrita, o estatuto “probatório” da noética narrada. A boa literatura faz isto: condensa, exagera, metaforiza. Le Monde.fr


Saber distinguir não mata a magia: salva o leitor do engano e amplifica o prazer — porque permite admirar a arquitetura do texto sem confundir colunas com dogmas.


Receção crítica e o risco (ou virtude) da verosimilhança


A receção inicial nos media de referência é clara: o romance mantém o “método Brown” (mistura de suspense, viagens, símbolos e ciência-limite), mas suscita reservas quando roça a fronteira entre ficção e “ilusão de não-ficção”.


Para uns, isso é o truque que sempre funcionou; para outros, é um risco num tempo saturado de desinformação. A resposta editorial mais responsável não é censurar ficção, mas fornecer contexto. AP News+2Le Monde.fr+2


O que fica no leitor que lê com método


O Segredo dos Segredos usa Praga como espelho: uma cidade de pedra e papel onde a Europa projectou há séculos esperanças de transmutação.


O Golem funciona como máquina simbólica para pensar criação irresponsável vs. cuidado ético; a noética ficcionaliza o desejo contemporâneo de provar que consciência não é só cérebro.


A Maçonaria surge menos como “tema expositivo” e mais como gramática do sentido (o uso do símbolo, a ética do trabalho interior, a relação entre liberdade e limite).


Ler Brown com espírito crítico — e com fontes na mão — não estraga a diversão: ensina-nos a reconhecer o que é mito, o que é história e o que é hipótese.


No fim, ganham todos: a ficção, por ser tomada como arte; a cultura cívica, por ser exercida; e o leitor, por sair mais livre.


Referências e leituras (seleção comentada)


  • Site oficial do livro (sinopse e locais): confirma o arranque em Praga, a conferência de Katherine Solomon e o tom “consciência/mito/ciência”. Dan Brown Official Website

  • Doubleday/AP News (anúncio e enredo): data de publicação (9 set. 2025), itinerário (Praga-Londres-Nova Iorque), foco na consciência. AP News

  • JC Lattès (edição francesa): sinopse e posicionamento editorial europeu. editions-jclattes.fr+1

  • Le Monde (recensão crítica): nota a viragem para crenças parapsicológicas e o risco de confusão entre ficção e ciência. Le Monde.fr

  • PBS NewsHour (entrevista): Brown apresenta o livro e a sua abordagem de “mistérios e caos” com foco na mente. PBS

  • The Forward (crónica cultural): leitura crítica do uso do Golem na trama. The Forward

  • Gershom Scholem (ensaios sobre o Golem): quadro clássico sobre a tradição e seus limites; ajuda a distinguir mito consolidado de história documentada. commentary.org

  • Estudos académicos sobre a “praguização” do Golem (séc. XIX): mapeiam quando e como a versão do Maharal se popularizou. Instituto de Matemática UH+1

  • Leituras complementares (Baer; resenhas académicas): golem na literatura moderna e pós-Holocausto; diálogo com imaginário tecnológico contemporâneo. Journals@KU+1

  • Guias/lugares de Praga relacionados com o romance: como a cidade e o marketing cultural estão a enquadrar o fenómeno. Prague City Adventures

Nota metodológica: onde a obra faz afirmações factuais (datas, locais, tradições judaicas), cruzámos com documentação editorial, imprensa de referência e estudos reconhecidos. Onde a obra especula (ciência da consciência, eficácia tecnológica), apresentámos contexto real e o seu estatuto controverso.

Sobre o autor desta investigação:


© Mestre Álvaro da Serra - Historiador / Memória Maçónica / Herança e Tradição Maçónica



A Ponte Carlos, iluminada pela luz dourada do fim da tarde, une as margens de Praga e serve de metáfora no novo livro de Dan Brown, onde o mito do Golem e a busca da consciência se cruzam na cidade hermética.
Ponte Carlos ao entardecer, em Praga — símbolo da transmutação entre o visível e o sagrado

Imagem: - My Fraternity / Martim Krchnacek / Unsplash / Wix Media Support


© 1996 – 2025 by My Fraternity News.

Projeto independente de reflexão e cultura, nascido em formato impresso e digitalizado em 2017. Unido pela fraternidade, pela palavra e pelo compromisso com a liberdade intelectual.


Comentários


bottom of page