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REFLEXÕES SOBRE ÉDIPO

REFLEXÕES SOBRE ÉDIPO

Édipo é o homem, o ser humano na sua expressão mais carecida. É alguém que se desconhece : não sabe qual foi a sua origem nem pressente como será o seu fim.


O seu próprio nome , Édipo, "o dos pés inchados", foi-lhe atribuído pelo pastor que o salvou da inclemência dos elementos naturais e da dilaceração das feras. O seu inchaço nos pés resultou da inclemência de Jocasta, sua mãe, que lhe furou os tornozelos, através dos quais fez passar uma corda, para que a criança pudesse ser atada num lugar ermo do monte Citeron.

A história de Édipo não é o produto de uma vontade autónoma.


A autonomia de vontade constitui uma simples ilusão.


O que existe é a fatalidade férrea de um destino pré-determinado, que os gregos do tempo designarão por "moira". Esta "moira" sobrepõe-se à própria vontade dos deuses, na sua inexorabilidade. Por isso é que podemos dizer que a história de Édipo não foi escrita por ele, mas já se encontrava rigorosamente determinada desde os inícios do tempo: "matarás o teu pai e terás a tua mãe como a mulher da tua cama". Este era o veredicto solene, a tremenda previsão, o augúrio que teria de cumprir-se.

Quando o pastor oferece Édipo ao casal régio de Corinto, esta nova casa mantém todo o lastro da ignorância anterior, pois não lhe revelou em nenhum momento que ele era um adoptado.


Por tal facto, Édipo não se pode dizer senhor de si e das suas decisões em algum momento. Ele será sempre o executor por conta de outrém da sua própria perdição. As forças da "moira" conspiram na sombra , fazendo da vida de Édipo um caso menor, exemplificativo da sua própria e soberana vontade . ou seja, do seu arbítrio final.

Édipo mata o rei Laio, seu pai, para que se cumpra a primeira parte da profecia.


Seguidamente irá medir-se com a Esfinge, para que se possa cumprir a segunda parte da fulminação. Mas será então o homem tão mísero que apenas lhe caiba, no grande espectáculo do Todo, o papel de um joguete ?


O confronto vencedor com a Esfinge garante a Édipo, ou seja, ao homem, que existe nele uma cintilação de racionalidade. Que animal anda sobre quatro patas na manhã do tempo, sobre duas na tarde e sobre três no crepúsculo ?


O homem, que inicia a sua vida a gatinhar, a continua em postura erecta e a termina sobre duas pernas vacilantes, suportadas por um bordão. Édipo descobre o enigma da Esfinge, que até ele não tinha sido descoberto.


A Esfinge anula-se através do suicídio. Mas o que este episódio, aparentemente triunfal, acaba por facilitar é a finalização da brutal profecia.


A ignorância de Édipo mantém-se no que lhe poderia ser mais importante.

A submissão da Esfinge à capacidade intelectiva de Édipo só operou para o caso menor de um conceito genérico. Antes e depois do discernimento, desse torneio mental, Édipo ficou a saber de si exactamente o mesmo que já lhe fora dado, ou seja, nada.

A eliminação da Esfinge significará a remoção do obstáculo que perturbava o movimento fatal de Édipo, a caminho do leito de Jocasta , a sua ignorada mãe. Tebas fora liberta dos pesares do monstro por este novo e heróico comparsa. A rainha sabia-se viúva, porque um desconhecido tirara a vida ao rei Laio. Na sombra, a "moira" ia tecendo implacavelmente os elos do pesaroso futuro.

Progride-se finalmente para o desenlace . Édipo é marido da sua mãe e faz-lhe quatro filhos , dois de cada sexo, meios-irmãos do homem infeliz, desditoso.


Quanto Tebas foi assolada pela peste, novamente se recorre à força da profecia, que agora declara que o assassino de Laio vive no interior da cidade e terá de ser descoberto para que cessem os efeitos pavorosos da doença. Édipo, bom rei, bom esposo e bom pai, assume o encargo de realizar um inquérito que produza a luz da verdade e que faça feliz o reino.


Continua sem saber que essa inquirição o toma como alvo principal. As sibilinas palavras de Tirésias franqueiam o caminho para a tremenda revelação.


Quando ela se solta das dobras do negrume , do que não era sabido, para a clara luz do que passa a conhecer-se, Jocasta enforca-se, Édipo arranca os olhos com a agulha de uma jóia da sua mãe-esposa e será acompanhado pela sua filha e meia irmã Antígona , nos duríssimos caminhos da expiação sempre adiada.

Nunca se contou sobre a condição humana uma narrativa mais verdadeira. Vivemos e crescemos na ignorância de nós mesmos.


Somos, mesmo que o não saibamos, os títeres, os joguetes de um destino que nos ultrapassa.


Os nossos crimes serão sempre o resultado de segredos que nos foram escondidos.


E somos ainda os inocentes da culpa que nos é lançada por um Todo que em todos os momentos nos ultrapassa.


Vencemos os enigmas da Esfinge e supomo-nos sábios, mas apenas dominamos um saber todo formal, agarrado completamente às convenções que fomos criando. Verdadeiramente , nada sabemos sobre a Verdade porque nada sabemos de nós mesmos.


Quando o soubermos, talvez também nós arranquemos os olhos. Se tivermos sorte, estará ao nosso lado uma filha-irmã para nos garantir a segurança dos caminhos da expiação. Da expiação do crime de nos terem feito nascer.


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