A ERRADA INTERPRETAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES ANTIGAS À LUZ DOS PRINCÍPIOS E COSTUMES ACTUAIS
“Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual é o Salvador. Ora, como a Igreja se submete a Cristo, assim também as mulheres se devem submeter em tudo aos maridos. Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela…
Assim devem os maridos amar as suas mulheres, como os seus corpos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo. Ninguém, de facto, odiou jamais o seu corpo, antes o alimenta e lhe presta cuidados, como Cristo à Igreja; porque nós somos membros do seu Corpo. Por isso, o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua mulher, e serão dois numa só carne. É grande este mistério, digo-o em relação a Cristo e à Igreja.”
(S. Paulo in Carta aos Efésios)
Esta leitura da carta de S. Paulo aos Efésios, sobre o matrimónio, é a mais recente polémica nas redes sociais, que tem suscitado comentários como este:
«Isto nem dá para ACREDITAR !!! Uma vergonha de mensagem, sobretudo enquanto, algures no mundo as MULHERES PERDERAM DIREITOS FUNDAMENTAIS e a sua AUTONOMIA !!! Esta transmissão e o seu conteúdo também deve ser considerada uma VIOLÊNCIA porque "legaliza" a passividade de todos e a submissão absolutamente iníqua da MULHER ao seu companheiro !!!»
Esta carta de S, Paulo ais Efésios, deve ser lida e interpretada no contexto do tempo e do direito romano (“ius civilis”), e da estrutura social e familiar romana, patriarcal.
A família, naquele tempo, era vista sobre duas vertentes, adgnatícia (restrita de parentesco civil, dependendo das relações sanguíneas) e agnatícia (ampla, comunitária, um conjunto de varias famílias restritas independente da relações sanguíneas), mas ambas sujeitas a uma “potestas” de um "pater familias".
Quer um, quer outro conceito de família, tinha repercussões na esfera do direito de sujeição à “potestas”, mas a segunda implicava uma "capitis diminutio", isto é, uma sujeição, limitação de direitos.
Portanto, a família romana originaria e uma instituição que se pode caracterizar como uma relação jurídica de sujeição (adgnatio) ou parentesco jurídico. Por isso os romanos distinguiam entre “matrimonium” (que constituía a sociedade conjugal, originaria da família restrita) e a “conventio in manun”, (que punha a mulher sobre a "manum" do marido, e do "pater familae", que constitui a base da família alargada).
Artigo Relacionado:
Este último vinculo de sujeição, distinto do primeiro, é tendencialmente perpetuo, apenas cessando com a mote ou "capitis deminutio" do "pater" ou de quem lhe esta submetido, Como elemento nuclear da sua constituição surge o matrimónio (nuptias) que, na “definitio” de MODESTINUS, é a "coniunctio maris et feminae et consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio" (união de parceiros masculinos e femininos por toda a vida, segundo a lei humana e divina).
E este conceito de família alargada é que influenciou a maneira como o cristianismo institui o sacramento do matrimónio, como união de sujeição heterossexual e perpétua, que era diferente da concepção de "matrimonium" baseado no simples consentimento contínuo dos conjugues, na convivência marital, "affectio maritalis", expresso livremente, ou seja, sem a exigência dum formalismo adequado e solúvel.
E no contexto da época, apesar das diferenças entre si, quer o "matrimonium" quer a "conventio in manum" romanos até concediam mais direitos às mulheres que outras sociedades do seu tempo.
Foras estas duas concepções distintas de casamento, “matrimonium” e “conventio in manum”, é que estiveram na base da distinção futura entre o casamento civil (a primeira concepção) e religioso (a segunda concepção) e também entre o casamento de "furto" (em que a nubente era raptada fictícia ou realmente pelo nubente e na missa dominical fazia o proclame) ou de segredo, praticado por exemplo em algumas regiões do nosso país, e que era validado pela autoridade civil, e o religioso da baixa idade média.
Quando nos pomos a opinar nas redes sociais, convém pensar e informarmo-nos para não dizermos asneiras!
E sobretudo devemos perceber que tentar interpretar ou explicar instituições actuais à luz de princípios e costumes de há séculos, ou vice-versa, é como tentar meter a Sé da Guarda na Capela do Mileu!
Marco Aurélio M.’. M.’.
Comments