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Declaração de Princípios de 1989 – Consolidação da Maçonaria Portuguesa

Introdução


O ano de 1989 permanece inscrito na memória coletiva como um momento de rutura e renovação.


Foi o ano da queda do Muro de Berlim, símbolo do fim de um ciclo ideológico marcado pela divisão entre blocos; foi o ano em que a democracia consolidada no sul da Europa ganhou maior reconhecimento internacional; foi também o ano em que, em Portugal, a Maçonaria deu um passo decisivo para afirmar a sua identidade, aprovando a Declaração de Princípios da Maçonaria Regular Portuguesa.


Este documento, discreto à época, tornou-se pedra angular de um processo de institucionalização que viria a marcar o desenvolvimento da Maçonaria nacional nas décadas seguintes.


Mais do que um texto administrativo ou interno, a Declaração de 1989 deve ser lida como um sinal dos tempos: um esforço consciente para situar a Maçonaria no Portugal democrático, recuperando tradições éticas universais e, ao mesmo tempo, respondendo aos desafios da modernidade.


A Maçonaria em Portugal antes de 1989


Desde a Revolução de 1974, que pôs fim ao Estado Novo, a Maçonaria em Portugal atravessava um processo de reorganização.


A longa noite da ditadura, que marginalizara ou perseguira os seus membros, tinha deixado marcas profundas: arquivos dispersos, tradições interrompidas, reputações manchadas por campanhas de propaganda hostil.


Durante a primeira década da democracia, diferentes grupos maçónicos procuraram reconstruir a vida fraternal, mas o caminho não foi linear.


A diversidade de sensibilidades — ora mais liberais, ora mais conservadoras, ora mais voltadas para o estudo simbólico, ora mais para a intervenção cívica — gerava tensões.


Faltava um documento que, sem apagar diferenças legítimas, estabelecesse uma base comum de entendimento e princípios.


O conteúdo central da Declaração


A Declaração de Princípios de 1989 respondia precisamente a essa necessidade. O seu núcleo pode resumir-se em três eixos:


  1. Liberdade de consciência

    O documento reafirmava que a Maçonaria não impunha dogmas religiosos nem políticos. Cada maçon é livre de crer ou não crer, de escolher a sua tradição espiritual ou filosófica, desde que respeite os mesmos direitos nos outros. Esta liberdade de consciência, herança das Luzes, é apresentada como valor fundador.


  2. Defesa dos direitos humanos

    A Declaração inscrevia a Maçonaria portuguesa no espírito universalista da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. A dignidade da pessoa, a igualdade entre homens e mulheres, a rejeição de discriminações de origem ou crença, eram colocadas como compromissos inegociáveis.


  3. Rejeição do extremismo político e religioso

    Vindo de um país que durante décadas conhecera uma ditadura autoritária e onde a religião fora usada como instrumento de poder, o texto era claro: a Maçonaria não se confundia com partidos nem com igrejas, e devia manter-se independente de qualquer forma de manipulação política ou clerical.


O impacto imediato


A aprovação desta Declaração teve um impacto quase imediato em dois níveis.


No plano interno, ofereceu um referencial que permitiu unir diferentes obediências e dar consistência a novos trabalhos. Não anulou divergências, mas forneceu um solo comum. Muitos maçons reconheceram nesse texto uma bússola que permitia avançar sem receio de perder a tradição essencial.


No plano externo, facilitou o reconhecimento por parte de outras obediências maçónicas internacionais.


O fim dos anos 80 foi também o tempo em que a Maçonaria portuguesa se reinseriu plenamente no espaço europeu, dialogando com França, Espanha, Inglaterra e Brasil.


A existência de uma Declaração clara e moderna ajudou a dissipar receios de que o renascimento português fosse apenas fragmentado ou nostálgico.


A Declaração vista 30 anos depois


Passadas mais de três décadas, a Declaração de 1989 continua a ser um documento de referência.


Se, em muitos aspetos, o seu conteúdo pode parecer evidente — quem contestaria hoje a liberdade de consciência ou os direitos humanos? —, convém recordar que a evidência nem sempre se traduz em prática.


Nos últimos anos, a Europa e o mundo assistiram a novos populismos, extremismos e formas subtis de autoritarismo.


A liberdade religiosa continua a ser violada em muitos países, a igualdade de género não está consolidada, e a dignidade humana é ameaçada por fenómenos como a pobreza estrutural, a guerra e a migração forçada.


Neste contexto, a leitura da Declaração revela-se surpreendentemente atual. Não se trata apenas de um documento histórico: é também um guião ético que pode inspirar a ação maçónica e cívica no presente.


Valor simbólico e ético


A força de um documento não reside apenas no que enuncia, mas no simbolismo que transmite.


A Declaração de 1989 representou, para os maçons portugueses, a afirmação de que era possível estar enraizado na tradição e, ao mesmo tempo, aberto ao futuro.


Representou também a coragem de assumir, sem receio, uma identidade cívica num país onde durante décadas a Maçonaria fora objeto de preconceito.


O seu valor ético está em recordar que a fraternidade não é uma palavra abstrata, mas uma prática que exige respeito pela liberdade do outro. Está em reafirmar que a política e a religião, sendo dimensões legítimas da vida, não podem ser instrumentalizadas para sufocar a consciência individual.


Conclusão


Lida hoje, a Declaração de Princípios de 1989 é um testemunho de maturidade da Maçonaria portuguesa.


Nasceu num tempo de mudanças globais, mas soube traduzir para a realidade nacional os valores universais de liberdade, igualdade e fraternidade.


Para o Centro de Estudos My Fraternity, este documento é mais do que uma peça de arquivo: é um exemplo de como a palavra escrita pode moldar instituições e inspirar gerações.


É um lembrete de que a Maçonaria não vive de rituais fechados em si mesmos, mas de compromissos públicos com a dignidade humana.


Quadro representativo da Grande Loja Nacional Portuguesa, associado à Declaração de Princípios de 1989
Quadro simbólico da Grande Loja Nacional Portuguesa

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