My Fraternity
22 de mai de 20201 min
PAISAGEM
O que me dói nesta paisagem não é o rio
que corre dentro de mim,
nem as árvores chorosas que povoam
a noite vagabunda dos sonâmbulos.
O que me dói não são as folhas perdidas
na avareza da corrente,
nem os choupos hirtos que entristecem
o céu toldado de presságios.
O que me dói não são os barcos ausentes
do afeto conjugal dos rios,
nem as searas crispadas pelo desejo
de serem finalmente pão em nossas bocas.
O que me dói não são as lavadeiras viúvas
esfregando a dor na roupa suja dos outros,
nem os filhos chafurdando na água
a fome dos brinquedos que nunca tiveram.
O que me dói é o espelho partido
da minha infância
e a infância de todos os meninos
sem espelho.
António Arnaut